Os conflitos potenciais no ocidente europeu ( Gibraltar, Ceuta e Melilla, Olivença) Não é possível agora ignorar o facto. Há, no Ocidente Europeu, algumas feridas mal saradas, algumas questões territoriais por resolver. Não se trata de grandes áreas, mas quase sempre de pequenos enclaves ou de diminutas regiões, quase sempre de grande valor simbólico. A persistência de tais conflitos é, potencialmente, e no mínimo, geradora de algumas incomodidades e situações embaraçosas. Eis por que urge trazê-los, claramente, para a luz das agendas diplomáticas, onde poderão ser equacionados mais racionalmente e ser transformados em soluções. Mantê-los ignorados é conservar pequenas cargas explosivas dentro de portas, prontas a ser detonadas a qualquer momento, ou, pior, no momento menos oportuno. Urge, pois, equacionar tudo...de uma forma civilizada, mas coerente e firme. O Estado Espanhol mantém, há quase trezentos anos, a sua reivindicação sobre Gibraltar, ocupado em 1703 e cedido à Grã-Bretanha em 1713. Uma reivindicação constante, independentemente dos regimes que se têm sucedido em Madrid, baseada na afronta da presença britânica no seu litoral (e num ponto estratégico). E, já agora, em algumas violações de pormenor do Tratado de Utrecht de 1713. Com base nesta pressão constante, em nome da indivisibilidade da sua soberania sobre o seu próprio território, a Espanha, sentindo-se humilhada e considerando como artificial a situação étnica actual em Gibraltar, nega-se a levar demasiado em consideração a opinião dos habitantes do pequeno território. E não se intimida perante alguns factos, como a diferença de níveis de vida, em relação ao qual se limita a projectos que salvaguardem o dito nível, desde que não ponham em causa o essencial: a integração de Gibraltar na Mãe Espanha. Só por ingenuidade poderia Madrid pensar que Marrocos não olharia para Ceuta e Melilla de forma semelhante. Mas, se a reivindicação de Gibraltar surge nos Média a toda a hora, e é considerada como compreensível por quase todo o Mundo, já o litígio sobre Ceuta e Melilla é muito menos falado. A Acção marroquina em Perejil (Salsa)/Leila poderá ter sido pouco correcta, pois o gesto podia ter resultado num conflito com vítimas, mas, pelo menos, conseguiu fazer compreender à Espanha (e à União Europeia e ao Mundo) , que um Estado não pode impunemente sustentar uma lógica reivindicativa num ponto do Globo sem que a mesma lógica seja aplicada noutros pontos onde, à primeira vista, a situação é comparável. Neste caso, contra o próprio Estado que acena com a primeira reivindicação. Usando um provérbio português, quem tem telhados de vidro não atira pedras ao vizinho. E, para Marrocos, Ceuta e Melilla são os telhados de vidro de Madrid. Já que Marrocos tem um papel importante nesta situação no Ocidente Europeu, ainda que seja um país do Norte de África, convém não esquecer a questão do antigo Sahara Espanhol, ocupado pelo mesmo Marrocos em 1975, à revelia do Direito Internacional. Rabat tem, portanto, e também, talhados de vidro... De qualquer forma, deve-se acreditar que, uma vez equacionados os problemas, eles serão discutidos em local próprio, acabando por ser resolvidos. Contudo, o Ocidente Europeu tem alguns outros problemas semelhantes aos já referidos. Fiquemos só por um, que se liga a Portugal. Não se pode, por uma questão de lógica e coerência, deixar de lado a questão de Olivença. Será impossível, salvo por manifesta incompetência, que esta questão não seja colocada. Olivença tem várias semelhanças óbvias com Gibraltar, sendo mesmo bem mais clara a sua situação de Ilegalidade em termos de Direito Internacional. Na verdade, violado por Madrid o Tratado de Badajoz logo no ano da sua assinatura em 1801 (ocupação de parte do Concelho de Juromenha), e outras vez em 1807, tendo em linha de conta as recomendações e conclusões do Congresso de Viena de 1815, aceites por Espanha em 1817 (para só citar as datas principais, e considerando que, em duzentos anos, Portugal se tem sempre negado a reconhecer Olivença como parte de Espanha, não se compreende como Portugal, seja qual for o seu Governo, poderá deixar de chamar a atenção para tal problema. Se o não fizer, estará a por-se em causa a si mesmo, ou a sua capacidade para ter interesses próprios e legítimos na cena internacional, num problema fronteiriço directo. Do ponto de vista histórico, nem sequer faltou, em Olivença, uma acção contínua da Espanha, com destaque para a época franquista, no sentido de despersonalizar a população local, com repressão, falsificação/omissão da História, alterações na realidade étnica, e outros procedimentos análogos. Não se tratará de um problema maior , dirão muitos. Todavia, existe. A sua resolução, por vias diplomáticas, não implica atrasos na resolução de outros problemas, como o do desenvolvimento económico ou o da distribuição de riqueza. A sua não resolução, em contrapartida, ou apenas a falta de vontade para se tentar a sua resolução, demonstrará uma grande falta de princípios, de vontade, de crença nas capacidades do País, de personalidade enquanto Nação. Poderá significar que o que vai mal em Portugal é muito mais profundo do que se pensa, e que a falta de autoconfiança e o déficit de amor próprio em terras lusas estão a progredir num sentido perigoso para a própria existência de Portugal. Olivença é um problema político, cultural, e diplomático. Outros aspectos a ele ligados, como problemas económicos ou jurídicos, podem ser resolvidos com negociações, talvez tomando muitas vezes como referência as considerações que forem surgindo a propósito do problema de Gibraltar. Não se pode, como alguns comentadores o fazem, considerar como pouco civilizadas todas e quaisquer reivindicações territoriais, sem se considerar como incivilizadas situações de ocupação ilegal ou de legalidade dúbia. Ser civilizado só pode significar resolver os problemas de forma pacífica, negociada, democrática. Não pode significar abdicar do que é justo. Não pode significar permanecer calado perante ilegalidades, falta de lógica, clamorosas dualidades de critérios. Isso não é civilização, é comodismo, que, claro, não conduz a resultados positivos, mas tão somente à aceitação de tudo o que se quiser impingir-nos, mesmo as mais flagrantes injustiças, sejam elas económicas, políticas, diplomáticas, sociais, ou outras. Poucos quererão ser civilizados (?) dessa forma. Nenhum país responsável e digno o quererá. Vamos, pois, neste Ocidente Europeu, talvez também no Norte de África, equacionar com lógica e civilizadamente os problemas que surgem. Para não se hipotecar o futuro! Estremoz, 01 de Agosto de 2002 Carlos Eduardo da Cruz Luna |