Passados quase 195 anos sobre a ocupação espanhola do Território de Olivença, ainda que se mantenham muitos dos traços culturais portugueses que distinguem a região oliventina da limítrofe Estremadura Espanhola, os caracteres definidores da sua portugalidade foram-se estiolando, seja pelo volver irrevogável dos anos que se vão sucedendo, seja pela estratégia deliberadamente colonizadora que ali foi empreendida, mormente no período franquista. Desde o tristemente célebre dia 14 de Agosto de 1805, em que se lavrou a última Acta da Câmara de Olivença em Língua Portuguesa, até hoje, sucedeu-se um rol quase interminável de ataques contra a Língua de Camões e contra a Cultura Lusíada. Se já em 1840 foi proibido o uso da nossa língua no Território de Olivença, incluindo nas igrejas, coube, bem mais perto de nós, à política nacionalista do Generalíssimo Franco a quase irradicação da genuína alma do povo oliventino. Estabeleceu-se uma forte repressão contra quem falasse Português, que ia desde a simples multa até à detenção. Eliminou-se a toponímia urbana portuguesa e alteraram-se compulsivamente os nomes dos seus habitantes para antropónimos similares em Castelhano, por via meramente administrativa e sem conhecimento prévio dos visados. Com colonos espanhóis dominado toda a administração, utilizando a escolarização castelhanizadora como contraponto às movimentações irredentistas que larvavam nos dois lados do Guadiana, perseguindo e discriminado os que almejavam escapar à estratégia de destruição cultural em curso e marginalizando aqueles mais renitentes à língua e à cultura do ocupante, o governo franquista e os seus próceres na administração municipal do território conseguiram impor um conformismo e uma resignação mais ou menos sofrida a uma situação político-diplomática que não se alterou até à actualidade, no que a Portugal interessaria.
Estes processos conduziram à situação actual em que apenas as gerações mais idosas, acima dos 60 anos e principalmente nos meios rurais, utilizam correntemente o Português. Nas camadas acima dos 40-50 anos o Português é facilmente compreendido e utilizado alternativamente ao Castelhano. Mas nas novas gerações, saídas de um ensino ministrado em Castelhano e que não usaram o Português como língua materna, não só se verifica um reduzido uso da nossa língua, como, por vezes, se constata a sua incompreensão. Os pais, convencidos de que a aprendizagem do Português no espaço familiar prejudicava a progressão escolar e as possibilidades profissionais dos seus filhos, baniram a utilização da Língua Portuguesa na conversação doméstica com os mais novos, recorrendo a ela, entre si, em espaços privados, mas receando fazê-lo em lugares públicos, recordados que estão da repressão que, não há muito tempo, se fazia sentir. Mas, mesmo entre os que dominam mal o Português ou quase não o falam persistem muitas expressões e essencialmente uma inconfundível pronúncia alentejana que denuncia claramente a origem dos oliventinos e os coloca na concepção dos seus vizinhos espanhóis como «los portugueses», aspecto que patenteia algumas dificuldades de integração na "Extremadura Española". Depois de muitas décadas de repressão e violência contra a cultura portuguesa, os anos oitenta trouxeram uma viragem de estratégia. A resistência anti-espanhola estava quase extinta. O número de espanhóis ou seus descendentes era muito significativo, comparativamente com os efectivos de oliventinos genuinamente portugueses. A população não tinha razões económicas para preferir a soberania portuguesa. Faltava apenas conseguir o reconhecimento oficial do Estado Português e delimitar a fronteira. Enveredou-se, então, por uma aproximação a Portugal, julgando as autoridades espanholas que o incremento da cultura portuguesa no território demoveria o Ministério dos Negócios Estrangeiros da sua determinação em considerar Olivença como juridicamente portuguesa.
A seguir ao projecto do Almirante Pinheiro de Azevedo (1981-82) de invadir Olivença por meio de uma "marcha verde", a Câmara Municipal de Olivença empreendeu uma política cultural arrojada, materializada na recuperação de vários monumentos, na criação de um museu etnográfico, na constituição de um arquivo e biblioteca, na realização dos Encontros da Ajuda e na instalação da Universidade Popular, onde foi criado o Centro de Estudos Ibéricos Agostinho da Silva e onde, desde 1987, passaram a ser ministrados cursos de Português parcialmente financiados pelo Instituto de Cultura e Língua Portuguesa. Para além destes cursos de acesso livre a todos os interessados, independentemente da idade, a Câmara Municipal já tinha instituído, três anos antes, a disciplina de Português como língua optativa no ensino oficial. Olivença, antecipou-se, assim, ao actual convénio existente entre Portugal e Espanha para promoção do Português e do Castelhano como línguas de opção nos currículos escolares dos dois países. Como corolário de toda esta política faltava realizar o desiderato máximo das autoridades espanholas - reconstruir a Ponte da Ajuda, ligando Elvas a Olivença, como obra transfronteiriça que implicasse o reconhecimento da soberania espanhola sobre o território. Um lapso incompreensível da Secretaria de Estado do Planeamento Regional sancionado pelo chefe do executivo português na Cimeira Ibérica de 5 de Dezembro de 1990 quase garantia a Espanha a sua pretensão, não fora o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, em Março de 1994, ter imposto a anulação do convénio ali assinado e exigido que a referida ponte fosse reconstruída exclusivamente por Portugal, uma vez que o nosso país não podia abdicar dos direitos que possui sobre Olivença.
A indignação das autoridades espanholas que tanto haviam apostado na aproximação cultural a Portugal, como forma da nossa diplomacia aceitar demarcar a fronteira pelo Guadiana, conduziu a uma feroz oposição ao nosso país, do que resultou, entre outras acções, o encerramento do ensino do Português em Olivença, como retaliação contra a posição do Palácio das Necessidades. Passados os desvarios iniciais, o ensino da Língua Portuguesa foi restabelecido no corrente ano lectivo, estando a ser ministrados vários cursos, tanto na Universidade Popular, como no Colégio Francisco Ortiz, com algum entusiasmo e com maior adesão do que se poderia esperar face às circunstâncias. O Instituto Camões subsidia, com uma verba anual de 1000 contos, os cursos da Universidade Popular, destinados preferencialmente a adultos. Em vários anos consecutivos houve atrasos no pagamento desta verba, o que pôs em risco a realização desta iniciativa. Num encontro realizado a 15 de Março deste ano em Lisboa, entre o Presidente do Instituto Camões e o Alcaide de Olivença desbloqueou-se o problema, prevendo-se no futuro um sistema de comparticipação mais eficiente e de preferência mais substancial. O desconhecimento da realidade oliventina e do problema diplomático subsistente terá estado na origem da inoperacionalidade do Instituto Camões no que concerne ao apoio ao ensino da nossa língua em Olivença. Para bem dos nossos interesses, dos nossos direitos e da nossa cultura, urge empreender um esforço mais efectivo no apoio às populações e às instituições de Olivença. Se falta a coragem para resolver pelos instrumentos do Direito Internacional um problema que afecta a credibilidade e o prestígio de um Estado Soberano como Portugal deveria ser, que ao menos os nossos dirigentes não sejam falhos da inteligência e do bom senso para promover a nossa cultura num território que pelo menos "de jure" ainda é português. Mário Rodrigues |