Foi a 20 de Maio de 1801, relembraremos sempre a ocupação espanhola do Território de Olivença . O estado português continua a não reconhecer a soberania espanhola sobre aquele pedaço de terra alentejana. Por esse facto ainda não foi demarcada a fronteira entre os dois países ibéricos na região de Olivença. Permanecem, assim, por colocar cem marcos fronteiriços, desde o nº 801 até ao nº 900. A Espanha persiste em não cumprir os acordos de retrocessão celebrados internacionalmente. Portugal, na sua apatia crónica e no seu complexo de humilhação face ao estrangeiro, mantém a decisão de não reconhecer a fronteira, mas nada fazendo de concreto para reaver uma parte inalienável do espaço nacional. Se aos políticos parece preferível optar pelo mais fácil e adiar interminavelmente a resolução do litígio, aos verdadeiros portugueses que sentem o país como sua própria carne esta situação afigura-se vergonhosa e verdadeiramente intolerável, fazendo das gerações presentes indignos sucessores de um povo que se fez a si próprio pela conquista e pela afirmação do seu carácter e da sua tenacidade. Como já escrevi em outra parte, «se Olivença é uma causa perdida, não é Olivença que está perdida para Portugal, é muito provavelmente Portugal que se perdeu a si próprio, incapaz de defender os seus interesses e muito especialmente os seus direitos». A pequenez mental dos portugueses de hoje, rendidos às dificuldades do presente e alucinados por ideias estranhas à sua história e à sua verdadeira identidade, gerou um sentimento de inexorável ruína e de insuperável abatimento, causando um complexo de inferioridade e de vergonha geral que impede quase todos, incluindo os presumidos intelectuais e dirigentes nacionais, de reclamarem por Olivença, tido, pelo vulgo, como território insignificante; mas que, apesar de tudo, é maior em superfície que 21 estados independentes do mundo. Custa a crer que nos anos 40, 50 e 60 a generalidade dos grandes vultos das artes, das letras, da política e das forças armadas bradassem a cheios pulmões o desejo português de reaver Olivença, mesmo quando Portugal se assumia como um dos maiores estados territoriais do mundo. E agora, que o nosso país voltou à sua diminuta dimensão geográfica da Primeira Dinastia, vemos, estranhamente, tão abandonado o apoio dado à causa da retrocessão portuguesa por parte das principais figuras da nossa república. Algo se passa de monstruosamente grave no ânimo e no espírito da gente lusitana, quando tomamos por amigos os inimigos de sempre; quando julgamos ter diante de nós fiéis aliados, mas que continuadamente nos ultrajam e nos espezinham; quando há quem em Portugal tudo faça pela nossa submissão incondicional ao governo de Espanha, enquanto, paradoxalmente, Galegos, Bascos e Catalães lutam para se libertar do poder de Madrid. Como escreveu Paul Valéry, «a história é o produto mais perigoso que a química do intelecto tem elaborado»; perigosa quando se pretendem manipular os factos do passado, mas de efeitos igualmente devastadores quando se procura iludir o tempo e se desejam ocultar os traços indesejáveis da vida transcorrida dos povos. O problema fronteiriço de Olivença é uma das muitas histórias que alguns sempre pretenderam apagar, um assunto incómodo que muitos se esforçam por escamotear. Não foi esta a atitude de figuras como Hernâni Cidade, Alfredo Pimenta, Virgínia Rau e Jaime Cortesão, historiadores muito empenhados na questão oliventina. Infelizmente a maioria dos historiadores de hoje não sabem ou não querem ouvir falar de Olivença. A cumplicidade que revelam num esforço de ocultar este problema fronteiriço leva-os a ignorarem Olivença, mesmo para o período anterior a 1801, data em que o país foi despojado de uma parte inalienável do seu território. É confrangedor observar como nenhum manual escolar da disciplina de história se refere a Olivença. E é gravíssimo que a cartografia histórica que se produz em Portugal coloque o Território de Olivença nas fronteiras espanholas, mesmo entre 1297 e 1801, enquanto os mapas similares estrangeiros representam Olivença como território nacional. Neste panorama de ciclópica ignorância talvez até não se estranhe que em obras de prestigiadíssimos historiadores não se represente Olivença, ou não se saiba desenhar todo o amplo território português que se interna em Espanha até Higuera de Vargas, incluindo, além da cidade propriamente dita, as povoações de S. Francisco, S. Rafael, S. Domingos de Gusmão, Vila Real, Táliga e S. Bento da Contenda. O silêncio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, relativamente a este litígio, faz crer à generalidade dos portugueses que o Problema de Olivença se submergiu nas brumas do passado, permanecendo irremediavelmente esquecido no sepulcro dos assuntos mal resolvidos da história. No entanto, o diferendo persiste e a nossa diplomacia continua a reafirmar, diante da Espanha, os direitos portugueses sobre Olivença, ainda que de uma forma demasiado dissimulada e sem incomodar drasticamente a irredutível posição de ilegalidade do país ocupante. Ainda o ano passado o estado português afirmou, perante a Espanha, que continua a considerar seu o termo oliventino, mas apenas o fez para não comprometer os nossos direitos face ao monumental lapso da Secretaria de Estado do Planeamento Regional, aquando da realização do projecto de reconstrução da Ponte da Ajuda. Recorde-se que em 1990 o nosso Primeiro-Ministro assinou um convénio com a Espanha para reconstruir aquela ponte ligando Elvas a Olivença, como obra transfronteiriça, o que obrigou o Ministério dos Negócios Estrangeiros a suspender em 1994 o referido convénio para não pôr em causa os direitos de soberania que Portugal reclama sobre aquela superfície. Infelizmente, apesar do Embaixador Pinto Soares, então à frente da Comissão Internacional de Limites Luso-Espanhola, ter repetido, perante as autoridades dos país vizinho, que do ponto de vista jurídico Olivença nos pertence, não se viu da parte do nosso governo uma atitude de firmeza na reivindicação da retrocessão daquele território alentejano. Assim, 204 anos passados sobre a ignóbil invasão que nos esbulhou de um pedaço do nosso território, as reivindicações dos nossos direitos continuam a ser levadas a efeito quase exclusivamente por cidadãos a título individual. A nossa diplomacia, ainda que não abdique dos direitos que nos assistem, continua a não apoiar os portugueses que aspiram à libertação daquela parcela do sul de Portugal. Prova-o à saciedade a recusa do Ministério dos Negócios Estrangeiros em participar num debate sobre o assunto que a Faculdade de Direito de Lisboa organizou no dia 4 de Maio de 2000, uma das primeiras grandes iniciativas públicas relativamente ao problema de Olivença. Dois séculos decorridos sobre o fim da administração portuguesa em Olivença, ainda persistem inúmeros vestígios da portugalidade das suas gentes. Apesar da estratégia deliberada das autoridades espanholas para irradicar os traços da presença portuguesa, continua-se a falar a nossa língua, quase sempre apenas dentro de portas, já que não se apagaram inteiramente as formas institucionalizadas de repressão sobre os que, contumazmente, se mantêm mais próximos do país a que historicamente pertencem. O silêncio deliberado a que a nossa comunicação social tem votado o Território de Olivença continua a permitir que as autoridades de Madrid persistam em manter esta terra portuguesa como uma coutada intransponível onde interminavelmente vão perpetrando todas as atrocidades contra a nossa cultura e contra os que teimam em manter-se fiéis a Portugal. A fachada aparente de respeito pelos edifícios de Olivença não pode fazer esquecer a proposta recentemente apresentada por um vereador da Câmara Municipal para proibir a entrada, naquela cidade, dos membros do Grupo dos Amigos de Olivença e do Comité Olivença Portuguesa. O intolerável desrespeito por Portugal é bem patente nas ameaças feitas a vários elementos do Grupo dos Amigos de Olivença e do Comité Olivença Portuguesa, pondo em risco as suas vidas; no encerramento de parte do ensino de Língua Portuguesa após a decisão do nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros de suspender as obras da Ponte da Ajuda; bem como na intervenção das autoridades de Badajoz junto da Câmara Municipal de Olivença contra a divulgação de publicações em português sobre a verdadeira história do roubo de que o nosso país foi vítima em 1801. Quando todos poderiam pensar que a Questão de Olivença se tornou insensível e que apenas uma levíssima lembrança do passado resiste em Olivença, há graves problemas que causam preocupação e sofrimento a muitos dos seus habitantes. Calarmos e silenciarmos estes gravíssimos acontecimentos constitui um verdadeiro crime de que não devemos ser cúmplices. Denunciar estas situações é imperativo a que não nos podemos eximir. Mário Rodrigues |